sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Intelectuais já estão prontos para exaltar uma tal “democracia árabe”, muito parecida com a antiga “ditadura ocidental”. Ou: Manda brasa, Irmandade Muçulmana!


Do jornalista Reinaldo Azevedo - Este é um daqueles textos que poderiam começar assim: “Ai, que preguiça!” Evoco a expressão macunaímica sempre que o óbvio e o fatal se lembram de acontecer. Há três dias os inocentes e os de má-fé descobriram um novo herói da paz regional — quem sabe o será um diz da pax universal: o presidente do Egito, Mohamed Morsi, que pertence à Irmandade Muçulmana. Ele se apresentou como o “negociador” da trégua entre os terroristas que dominam a Faixa de Gaza e o governo de Israel. As coisas são assim, prestem atenção: desde que a Irmandade ascendeu ao poder no Egito, intensificou-se o foguetório que parte de Gaza contra Israel. O Hamas, um braço da Irmandade que ganhou treva (e não luz!) própria, não produz os foguetes; recebe-os do Irã. Não chegam por mar porque o bloqueio imposto por Israel não permite; não chegam por ar por motivos óbvios. Chegam por terra, claro! — ou seja, pelo Egito. Armamentos já atravessavam a fronteira no tempo do ditador Mubarak. Agora virou a festa do caqui. Então as coisas são assim, leitor amigo: o governo egípcio facilita a entrada do armamento e depois aparece como negociador da paz. Escrevo estes dois parágrafos para dar pistas do caráter político deste mais novo herói. Dois dias depois de posar de paladino da paz aos olhos do mundo, Morsi voltou-se para os problemas domésticos e baixou um decreto no Egito que isenta todas as suas decisões de contestação judicial. Não só as suas: também as da Assembleia do Povo (Câmara Baixa), que está escrevendo a nova Constituição, e as da Shura (Câmara Alta), não podem ser contestadas. As duas são dominadas por partidos religiosos, aliados do presidente. Que coisa bonita! A ONU protestou. A União Europeia protestou. Os partidos políticos não religiosos protestaram — e convocaram manifestação para a lendária Praça Tahrir. Morsi não dá a mínima. O texto é uma das flores do que se tem chamado “Primavera Árabe”. As ditaduras árabes, convenham, a gente já conhecia e conhece: como todo regime de força, reprimem, esfolam e matam os opositores. Trata-se de exemplares típicos da espécie. Teóricos mundo afora (incluindo o Brasil) prometem para breve um novo conceito político. Talvez se chame “democracia árabe”. O que é isso? Define-se por um regime que prevê, sim, eleições — afinal, os países ocidentais precisam de certos fetiches, né? —, mas que se organiza para impedir a alternância do poder e a efetiva expressão da divergência. O nome — “democracia árabe” —, com efeito, será novo, mas não a feitiçaria teórica. O modelo está sendo testado, hoje em dia, em vários países do mundo, muito especialmente na América Latina. A prática é sempre a mesma — recorre-se à maioria para arrancar licenças ditatoriais, que solapam a própria democracia —; o que varia é o aporte teológico: no Egito, por exemplo, quem fornece o aparato utópico é o islamismo; na Venezuela, no Equador e na Bolívia, o bolivarianismo; na Argentina, o “viuvismo”; no Brasil, o petralhismo… A Irmandade Muçulmana é mesmo formada hoje por um time craques. Dedica-se de modo obstinado a duas coisas: a enganar os governos ocidentais — dada a qualidade das lideranças, é a tarefa mais fácil — e a empreender a sua agenda de islamização do mundo; a primeira etapa, por óbvio, são os países árabes. A facilidade com que avança é espantosa. Vejam, de novo, o caso do Egito. O último entrave ao poder absoluto do grupo eram os militares. Nos primeiros dias do novo poder, em agosto, um atentado praticado por “extremistas” (quem? quem?) matou 16 soldados na fronteira do país com a Faixa de Gaza. Mursi usou o episódio como pretexto para afastar a cúpula laica do Exército e nomear um novo comando — desta feita, claro!, ligado à… Irmandade. É o melhor dos mundos para seus estrategistas. A Irmandade se oferece como a única resposta para os problemas que, de fato, ela mesma cria, não é? Assim avança a “democracia árabe”, muito parecida com as antigas ditaduras ocidentais… Sob o aplauso de intelectuais — boa parte sempre fascinada por ditadores — e da imprensa.

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