sexta-feira, 16 de março de 2012

Juiz federal recusa denúncia contra major Curió e critica Ministério Público por tentar driblar Lei da Anistia

O juiz federal João César Otoni de Matos, de Marabá, rejeitou no início da tarde desta sexta-feira denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, que ficou conhecido como major Curió, pelo suposta crime de sequestro qualificado contra cinco militantes do PCdoB, capturados durante a repressão à guerrilha do Araguaia, na década de 70, e até hoje desaparecidos. A denúncia foi distribuída para a 2ª Vara Federal de Marabá, pela qual o magistrado, que é titular da 1ª, está respondendo. Como fundamento para a rejeição da denúncia, o magistrado valeu-se da Lei da Anistia, em vigor desde 1979, e que anistiou os supostos autores de crimes políticos ocorridos de 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, período que abrangeu a ditadura militar instaurada a partir do golpe militar de 1964. “Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição”, diz o juiz João César Matos. Na denúncia, o Ministério Público Federal relata que cinco pessoas - Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira Corrêa (Lia) - foram sequestradas por tropas comandadas pelo major Curió entre janeiro e setembro de 1974 e, após levados às bases militares coordenadas por ele e submetidos a grave sofrimento físico e moral, nunca mais foram encontrados. O juiz federal João César Matos ressalta que o Ministério Público Federal não fez referência, na denúncia, “a documento ou elemento concreto que pudesse, mesmo a título indiciário, fornecer algum suporte à genérica alegação de que os desaparecidos a que se refere teriam sido - e permaneceriam até hoje - seqüestrados". Para o magistrado, no caso objeto da denúncia do Ministério Público Federal, não basta, para configurar o crime de seqüestro previsto no artigo 148 do Código Penal Brasileiro, apenas o fato de os corpos dos desaparecidos não terem sido localizados. “Aliás, dada a estrutura do tipo do seqüestro, é de se questionar: sustenta o Ministério Público que os desaparecidos, trinta e tantos anos depois, permanecem em cativeiro, sob cárcere imposto ao denunciado? A lógica desafia a argumentação exposta na denúncia”, diz o juiz federal. João César Matos acrescenta ainda que até mesmo se for admitida, apenas por hipótese, a presença de indícios do crime de sequestro supostamente praticado pelo Major Curió, a pretensão punitiva já estaria prescrita, ou seja, o Estado não poderia mais puní-lo. Isso porque, segundo o magistrado, “diante do contexto em que se deram os fatos e da extrema probabilidade de morte dos desaparecidos, haveria mesmo de se presumir a ocorrência desse evento morte". Além disso, ressalta o juiz federal, “os desaparecidos mencionados na denúncia do Ministério Público Federal foram oficialmente reconhecidos como mortos pelo artigo 1º da Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995, data que seria, então, o termo inicial do prazo prescricional relativamente ao delito do artigo 148 do Código Penal (sequestro), cuja pena máxima, na forma do seu parágrafo 1º, é de oito anos”. João César Otoni de Matos também rebateu os argumentos segundo os quais o julgamento proferido pelo Corte Internacional dos Direitos Humanos teria a força para afastar a aplicação da Lei de Anistia em casos como os relatados na denúncia oferecida contra o Major Curió. O magistrado sustentou que a Lei da Anistia “operou, para situações concretas e específicas, efeitos imediatos e voltados para o passado”. Referiu-se ainda a entendimento do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, para quem a Lei da Anistia “tratou de uma lei-medida, não de uma regra genérica e abstrata para o futuro”. Desse modo, afirma João César Matos, não poderia mesmo um julgamento posterior, como o da Corte Internacional dos Direitos Humanos, “fundado em convenção internacional, pretender retroagir mais de 30 anos para desfazer os efeitos produzidos e exauridos na esfera penal pelo mencionado ato normativo”.

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