domingo, 15 de janeiro de 2012

"Governador Tarso Genro quer ajuda da União para pagar o piso dos professores: ele não conhece a lei?"

Mariza Abreu
Há um conflito forte entre o governo do Estado do Rio Grande do Sul, administrado pelo PT e pelo petista Tarso Genro, e o sindicato pelêgo Cpers, também petista. No centro da disputa está o pagamento do piso nacional salarial do magistério, obrigação por mandamento constitucional. Essa confusão deixa em pânico os pais de alunos da rede pública do Estado, que temem começar o ano letivo com o magistério em greve novamente, o que se tornou hábito nos últimos 30 anos. No artigo a seguir, Mariza Abreu, ex-secretária da Educação, no governo Yeda Crusius, explica as contradições do petismo. Diz ela: "Toda vez que algum integrante do governo, dessa vez o próprio governador Tarso Genro, manifesta-se sobre o piso do magistério, mas evidentes tornam-se as contradições do PT. Repercute a entrevista do governador Tarso Genro que afirmou na última sexta-feira não ser contra o piso para o magistério, mas que o governo federal deve auxiliar os Estados com recursos do Orçamento da União. Afirmou também que espera a votação pelo Congresso Nacional da alteração do critério de reajuste do valor do piso, do atual percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano para o INPC. Para o governador, ao fixar esse critério de reajuste a lei modifica o conceito de piso que, segundo ele, é de um patamar mínimo atualizado pela inflação. Pela Lei 11.738/08 em vigência, que criou o piso nacional dos professores, somente os governos estaduais e municipais dos Estados que já recebem complementação da União ao Fundeb podem pleitear tais recursos federais para o pagamento do piso do magistério, que, em 2011 e 2012, foram apenas nove: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí. Isto porque os recursos federais destinados a ajudar governos que não podem pagar o piso nacional correspondem a 10% da complementação da União ao Fundeb, a qual foi de R$ 7.925.200,60 em 20110 e estimada em R$ 9.440.373,9 para 2012, conforme portarias interministeriais disponíveis no site do FNDE. Portanto, respectivamente R$ 795 milhões e R$ 944 milhões para a integralização do piso em todo o País. Sempre muito menos do que precisa só o Rio Grande do Sul para pagar o piso no atual plano de carreira do magistério gaúcho. Segundo o próprio governo Tarso Genro, R$ 1,7 bilhão em 2011 e, em 2012, de R$ 2,07 bilhões, se o valor do piso fosse reajustado pelo INPC, como propôs o ex-presidente Lula no Projeto de Lei 3776, de 23/07/08, ou de R$ 2,96 bilhões, segundo o critério da lei vigente. Portanto, para que o Rio Grande do Sul possa obter apoio da União, é preciso mudar a lei do piso, o que pode ultrapassar o governo Tarso Genro. Lembre-se que o Projeto de Lei 3776, que o PT gaúcho agora parece apoiar, está tramitando no Congresso Nacional desde julho de 2008, ou seja, três anos e meio, mais do que os três anos restantes do governo Tarso Genro. Em 19 de dezembro de 2011, o deputado Nelson Marchezan Junior (PSDB/RS) apresentou o Projeto de Lei 3020, que altera a lei federal do piso, a fim de viabilizar que Estados e Municípios não beneficiados pela complementação da União ao Fundeb possam receber complementação do governo federal para integralização do piso nacional para o magistério público da educação básica. Enquanto o PT fala, o PSDB age em favor do Rio Grande do Sul e do magistério, sem abrir mão da coerência e de suas convicções. Foi o que fez na situação, com a governadora Yeda Crusius, é o que faz na oposição, com seu presidente estadual, o deputado federal Nelson Marchezan Junior. Entretanto, além desse Projeto de Lei poder não ser transformado em lei antes do final do governo Tarso Genro, dificilmente a União aportará para o Rio Grande do Sul o volume de recursos necessários, segundo as estimativas da Secretaria da Fazenda do governo Tarso Genro. Portanto, mesmo essa possibilidade de aporte federal não resolverá o problema sem a adequação do plano de carreira, prevista na própria lei do piso. Isto porque membros do PT, integrantes do MEC e da CNTE, parecem ter consciência da defasagem do plano de carreira do magistério gaúcho. Se não, como entender a posição da CNTE ao reconhecer que "de pouco vale um plano com vencimento inicial irrisório e com grande dispersão entre os níveis e as classes”? Esta não é a “fotografia” da carreira dos professores do Rio Grande do Sul? Ou como entender a posição do MEC, na Nota Técnica enviada à Câmara dos Deputados para fundamentar as metas do PNE, onde afirma: "....no entanto, todo esse arcabouço (CF/88, LDB/96, ECs do Fundef/06 e Fundeb/08, e Resoluções da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação de 1987 e 2009) não tem sido suficiente para que os planos de carreira se consolidem nos termos das normatizações em vigor, especialmente quanto à 'elaboração ou adequação de seus planos de carreira até 31/12/09' (Res. CNE/CEB nº 02/09, art. 2º, e Lei 11.738/08). Comprova-se isto pelo levantamento realizado nas legislações estaduais, onde, considerando os 26 Estados e o Distrito Federal, quatro PCCR (planos de carreira) são anteriores à LDB/96, com destaque para o do Rio Grande do Sul, cuja legislação data de 1974;..." Concordo integralmente com a posição do governador Tarso Genro segundo a qual o piso, à medida que entendido como vencimento inicial das carreiras, deve ter reajuste anualmente pela inflação, cabendo aos governos sub-nacionais a iniciativa de aumento real dos vencimentos de seus professores, por meio de negociação com os respectivos sindicatos e legislativos. Temos aqui dois problemas. Primeiro, será que o governador não conhecia a lei federal do piso que ele mesmo assinou, como Ministro da Justiça do governo Lula? Por que, à época, não agiu junto ao ex-presidente para que esse dispositivo fosse vetado pela Presidência da República, como ocorreu com outros dispositivos da lei? Por que não agiu de forma mais firme junto ao Congresso Nacional anteriormente, especialmente depois de assumir o governo do Rio Grande do Sul e haver se comprometido na campanha eleitoral com o pagamento do piso aos professores sem qualquer condicionamento? Em segundo lugar, será que o governador desconhece que foi firmado acordo entre o governo Dilma e a CNTE, em meados de dezembro de 2011, para que o Projeto de Lei do ex-presidente Lula não fosse votado e não se alterasse o critério de reajuste do piso, pelo menos para 2012? Será que não sabe que esse acordo foi liderado internamente no governo federal pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, o assessor do MEC, Carlos Abicalil (ex-dep federal do PT/MS e ex-presidente da CNTE), a deputada federal Fátima Bezerra, do PT/RN (presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e ex-dirigente da CNTE), e a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, do PT/SC (ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação - SINTE/SC)? Será que um recuo neste acordo não desgastaria a candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo, hoje a prioridade das prioridades eleitorais do ex-presidente Lula e do PT nacional? Sinceramente, ou a aposta do governador é muito alta ou é mais uma manobra para protelar e construir as condições políticas para tomar a única iniciativa que está ao seu alcance: enfrentar o Cpers e adequar o plano de carreira do magistério gaúcho. Não é ele mesmo quem diz que o governo não pode restringir sua pauta à seca e às corporações? Pois então, está nas mãos do governador Tarso Genro fazer o que o PT não deixou fazerem os governos do PDT, de Collares; do PMDB, de Britto; e do PSDB, de Yeda Crusius: a mudança e aperfeiçoamento da carreira dos professores estaduais, condição imprescindível para a valorização, inclusive salarial, do magistério e para a melhoria da qualidade da educação estadual gaúcha. Afinal, o governo Tarso tem condições políticas favoráveis para isso, pois se antes o PT apoiava o Cpers em suas posições corporativas, conservadoras e atrasadas, contra os governos dos outros partidos, hoje o Cpers está fragilizado, ao não contar com o apoio do PT nem da oposição. Em 1998, quando da aprovação de novo plano de carreira do magistério, revogado pelo governo Olívio no ano seguinte, foi na Assembléia Legislativa que ocorreu a negociação do projeto de lei enviado por Britto. Naquela ocasião, o PP liderou a oposição nesse processo, apresentando mais de uma dúzia de emendas ao projeto do Executivo. Foram, pois, os deputados de oposição que então representaram a parcela dos professores que já àquela época não se identificavam com as posições da direção do Cpers. Por que não pode o Rio Grande do Sul experimentar o mesmo processo em 2012?"

Nenhum comentário: