quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Escritor Charles Dickens foi dono de jornal de muito sucesso

Em 1866, a atriz vitoriana Ellen Terry disse que uma revista era o que a fazia sentir saudades de Londres. Durante 20 anos, uma publicação semanal administrada e editada pelo escritor Charles Dickens era aguardada ansiosamente por leitores. Toda quarta-feira, eles encontravam ali não só relatos ricamente construídos dos fatos da época, mas também capítulos avulsos daqueles que mais tarde se tornariam os livros mais famosos do escritor. Acadêmicos modernos esperam que o apelo popular da revista, cujo título quando foi lançada, em 1850, era "Household Words" (palavras de família), mas que passou a se chamar "All the Year Round" (o ano todo) em 1859, quando Dickens rompeu com o publisher e passou a publicá-la por conta própria, possa ser recuperado. Voluntários foram convidados para ajudar a levar a íntegra das 1.101 edições da revista para a era digital, tornando-as acessíveis a um público tão amplo quanto os 300 mil vitorianos que compravam o periódico semanalmente. "O alvoroço provocado nos anos 1860 pela chegada de cada novo Dickens só pode ser entendido por pessoas que o testemunharam na época", escreveu Ellen Terry em sua autobiografia: "Meninos vendiam a revista nas ruas e frequentemente eram perseguidos por uma multidão ansiosa, como se estivessem portando notícias sobre o último vencedor da corrida de cavalos". O bicentenário do nascimento de Dickens é em 7 de fevereiro de 2012. A pequena equipe da Universidade de Buckingham esperava ter todas as revistas on-line até essa data, mas, embora as páginas já tenham sido escaneadas, elas agora precisam ser revistas para que sejam removidos os inevitáveis erros causados pelos computadores. O número enorme de páginas (30 mil) cria um problema para a conclusão do trabalho no prazo desejado. Por conta disso, foi lançado um chamado a todos os editores de texto amadores com acesso a computadores. "Todas as transcrições lidas por máquinas precisam ser corrigidas. Nestes tempos de cortes de verbas, o custo seria considerável, de modo que decidimos abrir o trabalho aos interessados", disse John Drew, professor sênior de inglês em Buckingham. Mas apenas 15% do trabalho com os arquivos foi distribuído até agora, principalmente entre pós-graduandos e acadêmicos. Depois de uma carta a esse respeito ter sido publicada pelo "Guardian" na semana passada, mais voluntários se apresentaram, e agora quase 20% das edições estão em processo de revisão. A revista era extremamente respeitada na época de sua circulação e publicou capítulos de "Grandes Esperanças", "Tempos Difíceis", "North and South" e "A Mulher de Branco", além de poesia, jornalismo investigativo, relatos de viagens, ciência de alcance popular, história e comentários políticos. Em três bilhões de palavras, há tanto joias históricas que detalham a vida, os problemas sociais e a política dos vitorianos quanto um tesouro literário das obras de Wilkie Collins (1824-89), Elizabeth Barrett Browning (1806-61), George Sala (1828-95) e Elizabeth Gaskell (1810-65). Talentos desconhecidos também tinham espaço. "Charlie, um irmão de Wilkie Collins, escreveu alguns depoimentos de testemunha ocular extraordinariamente vívidos. Ele é um indivíduo que a história perdeu, apesar de ter se casado com a filha de Dickens e de ter redigido boa parte da revista nos primeiros dez anos", disse Drew. "Dickens começou como repórter que cobria o Parlamento, e "The Pickwick Papers" foi originalmente um livro de esquetes divertidos, alguns deles sobre moda. O fato de ter escrito suas obras de ficção para um público semanal de revista ajuda a explicar como Dickens sobreviveu até os tempos modernos. É um trabalho muito visual, repleto de imagens que se traduziram bem para a televisão e o para cinema, de uma maneira que nunca foi o caso de um William Thackeray (1811-63), por exemplo." Mas Dickens também cobriu assuntos que outros jornais se negavam a tratar: não apenas as condições vigentes nos moinhos, fábricas e - um de seus temas favoritos - prisões, mas também notícias do Exterior. Ele encarregou Thomas Trollope, irmão do escritor Anthony Trollope (1815-82), de fazer uma cobertura extensa dos massacres da segunda guerra de independência italiana (abril-julho de 1859) contra o império austríaco, no momento em que a Grã-Bretanha, constrangida por lealdades da família real, se abstinha do conflito. Os relatos vivos do enviado contradiziam boa parte da cobertura da época, politicamente neutra. "Eu estava editando esses despachos no mesmo momento em que o noticiário internacional revolvia em torno da intervenção na Líbia, e foi interessante conhecer o contexto histórico pregresso", comentou Drew. Um dos textos favoritos dele, entretanto, diz respeito a um evento menos dramático. "É uma reportagem instigante, que, ao mesmo tempo em que se abstém de qualquer condescendência, constitui uma leitura profundamente incômoda. Ela revela tanto sobre nossos valores e atitudes atuais quanto sobre o apreço vitoriano pelo excêntrico e pelo chamado grotesco", observou Drew. Dickens escreveu uma genial obra chamada "Diário do ano da peste".

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