sábado, 5 de fevereiro de 2011

Ser cubano, algo inacreditável, conheça o paraíso dos socialistas (1)

CAFÉ Se era questão de chupar alguma coisa, eu já sabia exatamente o quê. Apanhei-me contemplando os Ladas que passavam, para ver se as tampas de seus tanques de gasolina tinham trancas. Com uma mangueira e um recipiente plástico, eu poderia obter cinco litros de gasolina e vendê-la por intermédio de um amigo no bairro chinês. Mas todos os carros de Cuba têm trancas nas tampas do tanque de combustível, ou ficam protegidos atrás de portões trancados, à noite. Já havia homens demais, e bem mais durões que eu, envolvidos nesse tipo de trabalho. Cuba não é terra para ladrões amadores. Eu precisava de café, mas nenhuma loja tinha estoque desse produto essencial. Nem mesmo a loja do meu bairro que opera com moeda forte tinha café, e visitas repetidas aos supermercados que vendem em dólares, em Vedado, e às lojas de diversos hotéis resultaram em zero café, por todo o mês. Certa vez vi um pacote de meio quilo de Cubacafe, a marca de exportação, à venda em um cinema da Velha Havana. Mas custava 64 pesos, e mesmo que a abstinência de café estivesse me matando, eu não tinha como pagar tão caro, ou andar toda aquela distância de novo. Da janela do meu banheiro, percebi que a loja de produtos racionados estava aberta, e fui até lá. Em uma prateleira, havia cinco sacos de café. Eram da marca doméstica, Hola, um café claro, em contraposição ao pó escuro do Cubacafe, e o preço era de pouco mais de um peso pelo primeiro pacote de 100 gramas, e de cinco pesos por pacote adicional. Havia cerca de uma dúzia de pessoas disputando o pão e o arroz, e por isso pude estudar as duas lousas nas quais a loja anunciava os produtos disponíveis. A maior delas mencionava os produtos básicos - os primeiros dois quilos de arroz custam 25 centavos de peso; cada comprador pode comprar um quilo adicional por 90 centavos de peso. O limite de compras era de três quilos de arroz ao mês, para prevenir que as pessoas comprassem arroz e o revendessem em busca de lucros. A lousa menor informava sobre os "produtos liberados", e continha uma lista menor de coisas como cigarros e outros bens que podem ser adquiridos sem restrições. Eu disse "el último", e tomei lugar na fila por trás do comprador que antes era o último. Logo chegou uma mulher com uma sacola plástica nas mãos e disse "el último", e se tornou a última da fila. O homem que me atendeu sorria mas parecia agitado. Era alto, negro, e usava uma barba rala, mal cuidada. Quando pedi café, fez um gesto negativo com as mãos. Não era preciso explicar: um estrangeiro não tem direito a ração, e de qualquer jeito não havia café. Tentei ganhar tempo, esticando uma conversa à qual ele só respondia com gestos. Perguntei se não havia café em parte alguma, e disse que havia procurado por toda a cidade, sem encontrar. Acrescentei que realmente gostava de café. Sabe? "Os cubanos bebem muito café", ele por fim respondeu. Tendo estabelecido uma conexão, eu acenei com a cabeça e perguntei se não seria possível conseguir café em algum lugar. "Não", ele respondeu. Sério? Talvez alguém, em algum lugar? Nem precisa ser muito. Ele meneou a cabeça; o gesto do talvez. Quem? "A Sra. __", respondeu. E onde posso encontrá-la? Como se estivesse guiando um cego, ele saiu de trás do balcão, me apanhou pelo braço e me conduziu até a rua. Caminhamos apenas 10 passos, sem mudar de calçada. Ele entrou na primeira porta, e distraidamente apertou o traseiro de uma mulher que estava passando. ("Ei!", ela exclamou, furiosa. "Quem você acha que é?") Paramos na porta de um apartamento localizado imediatamente atrás da loja de produtos racionados. Ele bateu. A porta foi aberta por uma mulher com um bebê no colo. "Café", ele disse. Paguei com uma nota de 20 pesos. Ela me deu um pacote de Hola e cinco pesos de troco. "Só isso?" Era três vezes mais que o preço cobrado na loja, a alguns passos de distância, mas descobri mais tarde que os cubanos também têm de pagar o mesmo ágio. O homem fez que sim com a cabeça. Seu nome era Jesús. Voltamos à loja. "Pão?", perguntei. Ele perguntou ao seu chefe, que respondeu com um "não" em volume alto o bastante para que a loja toda ouvisse. Perguntei de novo. Ele repetiu a pergunta ao chefe. Não ouvi um novo não. Passei-lhe a nota de cinco pesos e recebi cinco pãezinhos. Depois disso, pude comprar tudo que queria. Em companhia de Jesús, ninguém perguntava coisa alguma. Ninguém me pediu para ver minha caderneta de racionamento, nas compras dos itens básicos, e pelo resto do mês paguei o mesmo preço que os cubanos, pela mesma merda de comida.

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