sábado, 5 de fevereiro de 2011

Ser cubano, algo inacreditável, conheça o paraíso dos socialistas (9)

MIL CALORIAS Por fim, voltei para casa, onde uma celebração muito desejada me aguardava. Era sexta-feira, a noite da semana em que eu comeria carne. Ainda que o dia até aquele momento tivesse sido um de meus piores - apenas mil calorias até as 21 horas, e longas caminhadas - , estava determinado a compensar tudo aquilo com um banquete. Preparei arroz, e cozinhei uma batata doce na panela de pressão - que os cubanos apelidam de "aquela que Fidel nos deu", porque foram as panelas distribuídas como parte de um esquema de economia de energia. Também tomei uma preciosa dose de uísque com gelo (250 calorias), tudo isso acompanhado por arroz e feijão que sobraram do dia anterior. Por necessidade, servi apenas porções pequenas. Do refrigerador, tirei minha proteína: um dos quatro filés de frango empanados a que tinha direito para o mês. Acendi o fogão com cuidado, e fritei o filé até que sua crosta ficasse escura, ainda que ao serví-lo o interior estivesse frio e úmido. Não era carne de frango. Não era nem mesmo a "mistura de frango" que a embalagem dizia ser. Os principais ingredientes mencionados eram pasta de soja e trigo. Uma inspeção mais cuidadosa revelou que o teor de carne de frango era zero. Eu estava comendo uma esponja empanada, com apenas 180 calorias. Ah, meu reino por um McNugget. Por fim, cruzei a barreira das duas mil calorias pela primeira vez em 10 dias - por pouco. Descontando os muitos quilômetros de caminhadas e alguns minutos de dança, retornei à familiar referência das 1,7 mil calorias. Mas pelo menos estava de barriga cheia quando fui dormir. Ou era o que eu imaginava. Depois de duas horas de sono, acordei com insônia, a companheira da fome. Fiquei na cama da uma da manhã até o alvorecer, cinco horas de briga contra mosquitos e de leitura de Victor Hugo e Alexandre Dumas père. Ainda assim, não é possível comparar minha situação a uma fome real. Como aponta Hugo: "Por trás da arte de viver com muito pouco, está a arte de viver com nada". Mergulhei nos milhares de páginas da França do século 19, em dois escritores que descrevem revoluções, marchas forçadas e fome real. "Quando a pessoa não comeu", escreve Hugo, "a sensação é muito estranha... Ela rumina aquela coisa inexprimível, a amargura. Uma coisa horrível, que envolve dias sem pão e noites sem sono". E assim chegou a aurora, minha 12ª.

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