domingo, 12 de dezembro de 2010

Telegrama revelado por WikiLeaks mostra o caráter e intenções do facínora Zelaya

Caricatura de latifundiário. Adolescente rebelde. Errático em suas opiniões e comportamento. Desconfiado. Encantador nas conversas pessoais. Mas também sinistro. E corrupto. Um mês após deixar o cargo em Honduras, em abril de 2008, o embaixador dos Estados Unidos, Charles Ford, deixou por escrito suas impressões sobre o presidente Manuel Zelaya, que seria deposto e expulso do país em 28 de junho de 2009, episódio que virou de cabeça para baixo a política regional. Esse é o retrato severo e irônico que Ford faz de Zelaya para instruir seu sucessor no trato com a personagem, sugerindo que mantenha com ele uma conversação direta na “esperança de  de minimizar os danos à democracia e à economia hondurenhas”. O relato, datado de 15 de maio de 2008, é classificado como secreto. Zelaya estava no poder havia dois anos e meio, eleito como representante do Partido Liberal. Até que se deu sua insólita reviravolta rumo a Hugo Chávez e ao eixo bolivariano, o que deixou intrigados seus correligionários e a comunidade internacional. Ford é claro: “O objetivo principal de Zelaya é enriquecer a si mesmo e a família” e se exibir como um “mártir”, que “tenta fazer justiça social para os pobres”, mas é impedido por “poderosos interesses ocultos”. O presidente evidencia características autoritárias. “Zelaya se dá bem com os militares e com a Igreja Católica, mas o incomoda a simples existência do Congresso, do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal”, escreve Ford. Seus ataques à imprensa puseram em perigo vários jornalistas críticos de seu governo. Sua estratégia é ” a intimidação, a perseguição”. O pior, porém, é que está “cada vez mais cercado por pessoas envolvidas com o crime organizado”. O embaixador demonstra ter conhecido bem Zelaya, que definiu como educado e encantador em seus freqüentes encontros, “disposto”, explica Ford, “a dizer o que ele supõe que eu queira ouvir num dado momento". Seus argumentos, no entanto, mudam de um encontro para outro, seja para explicar suas relações com Hugo Chávez ou a nomeação do embaixador de Honduras na ONU. E isso confunde o embaixador dos Estados Unidos: “É como se ele não se lembrasse de nossa conversa de pouco antes. As opiniões de Zelaya mudam de um dia para outro, de uma hora para outra, dependendo de seu humor ou da pessoa com quem esteve por último”. Exemplo de seu comportamento errático, diz Ford, é o seu relacionamento com os Estados Unidos. Apesar de sua retórica violenta, que o levou a qualificar a política de imigração norte-americana de “fascista”, mostrava-se disposto a se reunir com o presidente George W. Bush “a qualquer momento". Zelaya, recorda o embaixador Ford, “não só permitiu a primeira visita de um navio de guerra dos Estados Unidos a Honduras em 22 anos, como fez um inflamado discurso no convés, exaltando as relações bilaterais". Em seguida, expressar seu orgulho pelo papel desempenhado por Honduras “na captura e execução do intervencionista americano William Walker” (pirata e aventureiro do século 19, fuzilado em 1860). Essa dicotomia deixa Ford perplexo: “Sempre desconfiado das intenções dos Estados Unidos, submeteu-se inexplicavelmente a um perfil psicológico em minha casa. Duas vezes”. A ambigüidade se reflete também em sua atuação no governo. Incentiva manifestações de rua contra políticas de seu próprio governo para resolver o conflito”. Isso serve “para ganhar aceitação popular”. “Mas há também o Zelaya sinistro, cercado por uns poucos conselheiros, ligados tanto à Venezuela e a Cuba como ao crime organizado “, afirma Ford. Isso o torna uma pessoa muito pouco confiável. “Sou incapaz de pôr Zelaya a par das ações dedicadas à segurança e à luta contra o narcotráfico por temer pôr em perigo a vida de funcionários americanos”. O embaixador confirma, por outro lado, a imagem que Zelaya construiu de “filho de Orlancho” (sua terra natal), apegado à terra e a seu chapéu de cowboy: “Ao contrário da maioria dos presidentes hondurenhos, para Zelaya, uma viagem a uma grande cidade significa ir a Tegucigalpa, não a Miami ou a Nova Orleans". “É um retorno a uma outra época na América Central, quase uma caricatura de caudilho, por seu estilo de liderança”. Fora de sua família, Zelaya não tem amigos porque maltrata as pessoas próximas. “Em um almoço, afirmou que não confiava em ninguém do seu governo”. Ford se mostra pessimista com o futuro político de Honduras e as relações com os EUA. “Seu esforço para garantir imunidade a várias atividades do crime organizado perpetradas em sua administração o converterá numa ameaça ao estado de direito e à estabilidade institucional”. A recomendação que deixa o embaixador Ford é esta: “Você encontrará o espaço para trabalhar, mas devemos ser muito diretos com ele”. É preciso atraí-lo o máximo possível “para proteger nossos interesses vitais” e “minimizar os danos à democracia e à economia hondurenhas”. Em junho de 2009, Zelaya foi deposto pelo Supremo Tribunal Federal, acusado de graves violações à Constituição e foi expulso de Tegucigalpa.

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