sábado, 11 de setembro de 2010

Livro-reportagem de Rodolfo Walsh é lançado no Brasil

A editora Companhia das Letras está lançando no Brasil, com grande atraso, o livro "Operação Massacre", do jornalista e escritor argentino Rodolfo Walsh. O livro tem 288 páginas e custa R$ 46,00. É menos do que o preço de uma pizza entregue em casa. E cada centavo desse livro vale muito. "Operação Massacre" foi escrito por seu autor em 1956, quando ele era só um jovem de 29 anos, obcecado por xadrez, que vivia pelos clubes de Buenos Aires, debruçado sobre um tabuleiro. O argentino Rodolfo Walsh (1927-1977) era apenas um jovem que aspirava se tornar um escritor de histórias policiais, e que não se importava por política. Certo dia, ele estava jogando xadrez, quando um dos frequentadores do clube murmurou ao seu ouvido: "Um dos fuzilados está vivo". O homem estava se referindo ao episódio ocorrido em junho de 1956, quando um grupo de homens havia sido fuzilado em um lixão, apontados como militantes peronistas que pretendiam derrubar o governo do ditador general Pedro Eugenio Aramburu. Este general tinha chegado ao poder em 1955, quando derrubou o governo de Juan Domingo Perón. Na operação, os policiais prenderam doze homens que estavam reunidos numa casa suburbana, levaram-nos para uma unidade policial e dali para um lixão, onde foram fuzilados sob a vigência da lei marcial que passara a valer naquela madrugada. Mas, a história era mais complexa. Rodolfo Walsh começou imediatamente a investigar a execução coletiva clandestina de maneira obcecada. E descobriu que seis homens estavam vivos, tinham sobrevivido àquela matança. Descobriu também que os mortos e os sobreviventes eram apenas amigos e conhecidos que haviam se reunido para ouvir pelo rádio a transmissão de uma luta de boxe do Luna Park, uma espécie de Madison Square Garden de Buenos Aires. Também descobriu que esses homens haviam sido presos antes que entrasse em vigor o estado de excessão na Argentina. A história saiu publicada em vários capítulos em um jornal pequeno de Buenos Aires, e as reportagens causaram grande repercussão. Com o tempo, Rodolfo Walsh se politizou e se tornou um militante peronista da organização terrorista Montoneros, da qual foi uma espécie de porta-voz. Em 1959 ele viajou a Cuba, junto com seus colegas Jorge Masetti, Rogelio García Lupo, e o escritor colombiano Gabriel García Márquez. Juntos fundaram a agencia de notícias Prensa Latina. Voltando à Argentina, trabalhou nas revistas Primera Plana, Panorama e, já durante a ditadura de Ongania, fundou o jornal semanário da CGT dos Argentinos, que dirigiu entre 1968 e 1970. Em 1972, escreveu durante um ano no Semanario Villero e, a partir de 1973, no jornal Noticias. Em meados de 1970, Walsh tinha começado a se relacionar com a organização terrorista peronista Montoneros e, em 1973, já era importante dirigente dessa organização armada. Em 1974 começaram as diferenças de Rodolfo Walsh com os Montoneros, a partir do momento em que a organização determinou que ele passasse para a vida clandestina.
No final de 1975, alguns dirigentes, entre os quais estava Walsh, começaram a elaborar documentos afirmando que a organização terrorista Montoneros deveria "voltar a se integrar ao povo e tratar de organizar uma resistência de massas, baseada mais na inserção popular do que em operações do tipo foquista (da teoria de focos revolucionários, criada pelo francês Regis Debray). Em 1976, em face da censura imposta pela ditadura militar argentina, Rodolfo Walsh criou a ANCLA, (Agencia de Noticias Clandestina), e a "Cadena informativa", um sistema de difusão da informação de mão em mão. Em 29 de setembro de 1976, sua filha María Victoria, também militante e dirigente da organização terrorista Montoneros, morreu em um enfrentamento com o Exército, um dia depois de ter completa 26 anos. Em dezembro desse ano, Rodolfo Walsh publicou uma mensagem, na qual relatava as circunstâncias da morte de sua filha e seu genro (sua outra filha, Patricia Walsh, é hoje uma importante política da esquerda argentina). No dia 25 de março de 1977, um dia depois de concluída a redação de sua "Carta Abierta de un Escritor a la Junta Militar", ele se encontrava caminhando perto da esquina dass avenidas San Juan e Entre Ríos (ver na foto), em Buenos Aires, quando um grupo-tarefa da Escola de Mecanica da Armada deu a ordem para que ele se entregasse. Rodolfo Walsh preferiu resistir com a arma que carregava e foi atingido mortalmente. Os repressores estavam andando de carro pela rua, levando junto um prisioneiro montonero, que deveria identificar Rodolfo Walsh, com o qual tinha marcado um "ponto" (encontro) antes de ser preso. Na prisão, ele "cantou" o "ponto". Ricardo Coquet, o sobrevivente montonero, disse no julgamento dos executores de Rodolfo Walsh, na Camara Federal de Apelações, que um dos repressores era o ex-oficial Weber, o qual comentou orgulhoso, na época: "Lo bajamos a Walsh. El hijo de puta se parapetó detrás de un árbol y se defendía con una 22. Lo cagamos a tiros y no se caía el hijo de puta”. Segundo declarações de presos que sobreviveram, o corpo de Rodolfo Walsh foi exibido para os prisioneiros na ESMA (Escuela Mecánica de la Armada). No dia 26 de outubro de 2005 fueron presos 12 militares, entre os quais estava o ex-marinheiro Juan Carlos Rolón, relacionado à morte de Rodolfo Walsh. Em 17 de dexembro de 2007, o juiz federal Sergio Torres enviou para julgamento oral o processo no qual estão denunciados por "privação ilegítima da liberdade duplamente agravada por ter sido cometido com abuso de suas funções e com as agravantes correspondentes por ter sido perpetrada com violência e ameaças", e "rooubo agravado por ter sido cometido em povoado e em bando", os seguintes militares: Alfredo Astiz, Jorge "Tigre" Acosta, Pablo García Velasco, Jorge Radice, Juan Carlos Rolón, Antonio Pernías, Julio César Coronel, Ernesto Frimon Weber y Carlos Orlando Generoso. Um décimo acusado, o ex-prefeito Héctor Antonio Febrés, morreu horas antes da denúncia por ingestão de cianureto. Rodolfo Walsh é, acima de tudo, um monumental exemplo de como se deve fazer uma reportagem investigação com estilo literário de alta classe. Ele antecipou o novo jornalismo na América Latina.

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