terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Reaparecem documentos de comissão da ditadura militar na UFRGS

Dados como perdidos para sempre, documentos produzidos por um órgão de perseguição política criado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no alvorecer da ditadura militar, foram descobertos no acervo da Universidade de Caxias do Sul (RS). A localização de centenas de páginas com atas de uma Ceis (Comissão Especial de Investigação Sumária) comprova como tantos documentos sumiram: funcionários associados ao regime se apossaram deles. Os registros da Ceis instalada em maio de 1964 expõem a caça às bruxas e o estímulo à delação na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Hoje estão no Centro de Documentação da UCS (Universidade de Caxias do Sul). Integravam o arquivo particular do sociólogo Laudelino Teixeira de Medeiros, um dos 15 docentes da comissão destinada a punir a "subversão política" na UFRGS. Os professores cassados buscaram, mas jamais encontraram as atas. Referência da sociologia no Rio Grande do Sul, Laudelino foi amigo dos sociólogos Gilberto Freyre, brasileiro, e Raymond Aron, francês. Compôs a banca examinadora no doutorado de Fernando Henrique Cardoso. Morreu em 1999. No ano seguinte, sua família vendeu, por R$ 75 mil, seu arquivo e uma coleção de 17 mil volumes para a UCS. Em meio aos livros e à papelada que documenta a trajetória de Laudelino, estavam as atas da Ceis. Filho de Laudelino, o advogado Luiz Inácio Franco de Medeiros disse não se lembrar das atas. Jair Krischke, conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, diz que soube da existência dos documentos por meio do arquivista Jorge Eduardo Enriquez Vivar, da Ong Arquivistas Sem Fronteiras. Houve 41 professores punidos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A Ceis foi formada com base no Ato Institucional nº 1 e funcionou só em 1964. Além dos docentes representando 15 faculdades, nomeou-se um assessor militar: o general Jorge Teixeira, do antigo 3º Exército. As atas revelam que o Exército e o Dops informavam a comissão. Entre os alvos da comissão estava o então estudante de Direito Marcos Faerman, famoso jornalista gaúcho já falecido, que trabalhou no Jornal da Tarde, do Grupo Estado, em São Paulo. Em uma reunião da Comissão Especial de Investigação Sumária da UFRGS, o professor Laudelino Teixeira de Medeiros, da Faculdade de Filosofia, lamentou a possível não punição de "subversivos". Ele disse, conforme a ata: "Sinto que pessoas que manifestamente, até por escrito, tiveram participação condescendente e até promotora de atos de subversão ficam fora do jogo". O presidente da comissão, Nagipe Buaes, da Faculdade de Ciências Econômicas, pediu: "Não poderia Vossa Excelência dar, por conseguinte, em caráter secreto, a esta presidência, os nomes dessas pessoas a fim de que elas possam ser arroladas, sem revelar de onde emanou a fonte de informação?" Laudelino se antecipara, mas nomeou: "Eu já dei por escrito. Um nome, por exemplo, é o do professor Pery Pinto Diniz da Silva". Era o antigo vice-reitor, que renunciara após o golpe de 1º de abril de 1964.

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