terça-feira, 25 de agosto de 2009

Justiça gaúcha determina o fechamento do lixão Santa Tecla, em Gravataí

A Justiça do Rio Grande do Sul deferiu no último dia 18 o pedido liminar apresentado pelo Ministério Público Estadual, por meio do promotor Daniel Martini, na ação ajuizada com o “fito de determinar ao Município de Gravataí, ao Município de Porto Alegre e ao Departamento Municipal da Limpeza Urbana (DMLU) que cessem o depósito de lixo no Aterro Santa Tecla, no prazo de seis meses, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00, devendo os réus nesse ínterim encontrarem alternativa legal para depositar esses resíduos, através de licitação visando a destinação final em área já licenciada ou de licenciamento em nova área pela Municipalidade ou qualquer alternativa legal”. No dia 11 de agosto de 2009, o promotor Daniel Martini, que atua em Gravataí, ingressou com um “Pedido de Antecipação de Tutela” no processo n° 015/1.03.0018002-5, uma ação popular ajuizada por Pedro Inácio dos Santos contra os municípios de Gravataí e de Porto Alegre, visando anular ato lesivo ao meio ambiente, em decorrência do depósito irregular de lixo no Aterro Sanitário Metropolitano Santa Tecla. Em sua exposição o promotor Daniel Martini diz: “com efeito, após longo trâmite processual e realização de audiência conciliatória, restou o feito suspenso enquanto se aguarda notícias de duas ações (uma cautelar e uma principal) que tramitam ou tramitaram nas Varas da Fazenda Pública de Porto Alegre, onde, em tese, haveria decisão autorizando o funcionamento do aterro Santa Tecla independentemente de autorização (licença ambiental) do órgão competente. Nestas ações, o Município de Porto Alegre, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e o Município de Gravataí demandam em face da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) visando à ampliação do Aterro Santa Tecla e à concessão de licença de operação do aterro já ampliado (processos n.ºs 001/1.05.0258100-3 e 001/1.05.0258416-9). Os autores visavam a obter judicialmente permissão para, em primeiro lugar, ampliar o Aterro e, em segundo, operá-lo, já que a Fepam, responsável pela concessão das licenças necessárias para ambas as empreitadas, exigiu, para tanto, apresentação de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), o que consideraram descabido. Os requerentes alegaram, nas ações, que tal exigência não fora feita quando da criação do Aterro, não devendo, assim, ser feita quando da ampliação do mesmo. Inicialmente, tiveram êxito, pois obtiveram, liminarmente, permissão judicial para a realização das obras de ampliação e, em sede de antecipação de tutela, autorização de funcionamento da parte ampliada uma vez terminadas as obras. Instruído o feito, contudo, sobreveio sentença, a qual julgou improcedentes ambas as ações, revogando as liminares concedidas. Em sede de Apelação (n.º 70025170341), o Tribunal de Justiça decidiu que, quando se trata da criação de um aterro, o Relatório de Estudo de Impacto Ambiental é obrigatório e que, quando a hipótese é de ampliação de um aterro já existente, como é o caso presente, tal exigência deve ficar a critério da Fepam, ou seja, a lei lhe faculta tal exigência. Prevalece, portanto, o poder discricionário da Administração Pública, que, no caso, entendeu pela necessidade de tal estudo antes de permitir que os autores ampliassem o Aterro e passassem, então, a nele operar. Assim, decidiu-se, à unanimidade, pela improcedência de ambas as ações, do que se conclui que o Aterro Metropolitano Santa Tecla está operando ilegalmente, vez que não possui nem licença que autorize seu funcionamento, nem decisão judicial que ampare a continuidade de suas atividades, porquanto, ainda que os requerentes tenham interposto Recurso Especial e Extraordinário contra o acórdão, tais recursos não possuem efeito suspensivo. Este o histórico de ambas as ações, o que, segundo a ótica do Município, lhe possibilitava (até o julgamento das ações) operar o Aterro Santa Tecla. Por conta da revogação da liminar que havia sido concedida nas ações ajuizadas em Porto Alegre, resta demonstrada a ausência de qualquer ato (judicial ou administrativo) que autorize o funcionamento do Aterro Santa Tecla, mostrando-se plenamente cabível – e necessária – a concessão de medida antecipatória, para determinar que cessem os depósitos – irregulares – de lixo no Aterro Metropolitano Santa Tecla. Tal cessação deveria ocorrer de forma imediata, contudo, diante da necessidade da continuidade do serviço público – essencial -, o Ministério Público propõe se conceda ao Município de Gravataí (e, por cautela, aos demais requeridos) o prazo de até 6 meses para o encerramento da deposição de resíduos no local, sob pena de multa diária, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), devendo os réus – sobretudo Município de Gravataí, que ainda deposita lixo no local - nesse período, encontrarem alternativa viável e legal para receber esses resíduos (seja processo licitatório para destinação final em área já licenciada, seja licenciamento de uma nova área pela Municipalidade ou qualquer alternativa legal à sua conveniência). Com efeito, o próprio Município de Gravataí reconheceu, inclusive, que a deposição de lixo no Aterro Santa Tecla apenas era possível, ainda, por conta da liminar que havia sido concedida nessas ações, ajuizadas em Porto Alegre. Veja-se que refere, à fl. 703, que “desta decisão [sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados nas ações cautelar e principal] foi interposto recurso de apelação pelos autores, sendo este recebido em seu duplo efeito pelo juízo ‘a quo’. Em consequência, com a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, foi restaurada a situação jurídica que vigorava anteriormente à prolação da sentença, estando amparada a continuidade da operação da Ampliação do Aterro Sanitário Santa Tecla”. Trata-se, portanto, de empreendimento ABSOLUTAMENTE IRREGULAR. A FEPAM, ré nas ações ajuizadas em Porto Alegre, já referiu, em mais de uma oportunidade, que não vige qualquer licença para manutenção dos depósitos de lixo no local. À fl. 803 dos autos, em resposta a ofício encaminhado por este Juízo, aquela Fundação respondeu “que não há licenciamento ambiental em vigor, em qualquer de suas fases, relativamente ao empreendimento Aterro Sanitário Metropolitano Santa Tecla, no Município de Gravataí”. Informou, ainda, “que o último licenciamento emitido à atividade referida foi a Licença de Operação n° 3353/2004-DL, cuja validade expirou em 30/09/04”. Assim sendo, há quase cinco anos o Aterro Sanitário Metropolitano Santa Tecla funciona sem qualquer aval do órgão técnico que tem atribuição para fazer a análise de viabilidade do empreendimento. Atribuição essa, ressalte-se, que veio a ser reconhecida e confirmada perante o juízo que havia concedido a liminar nas demandas ajuizadas em Porto Alegre, por ocasião da sentença (cópia às fls. 505/511), e também reafirmada no julgamento da apelação (conforme cópia do acórdão, anexo a esta petição). E, como se não bastasse a irregularidade formal, há também o aspecto substancial a ser destacado: o empreendimento é manifestamente poluente, estando a degradar o meio ambiente e a adoecer a população local. Aliás, sobre isto, convém lembrar que constitui infração penal, segundo o artigo 68 da Lei n° 9.605/98, deixar, aquele que tiver o dever legal de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental. Ora, não é obrigação do Município planejar adequadamente a sua disposição de resíduos sólidos? Seus gestores não estão obrigados a encontrar uma alternativa viável para os resíduos sólidos, ainda mais que o Ministério Público vem, de longa data (vide documentos nos autos), alertando o Município sobre a necessidade de buscar alternativas? O Batalhão Ambiental, a propósito, apontou a ocorrência de crime ambiental (art. 60 da Lei n° 9.605/98), por ocasião de vistoria realizada em outubro de 2005 no local. O Relatório das fls. 690/692 informou que “os resíduos sólidos urbanos estão sendo colocados irrregularmente em uma área que foi ampliada”, e que “o local onde ocorreu a ampliação do depósito exala um forte odor e fica próximo a residências e à Escola de Ensino Fundamental Humberto de Campos”. Sobre a situação da Escola de Ensino Fundamental em questão, chama-se a atenção para a petição das fls. 628/634, que retrata os danos que estão sendo impingidos aos alunos e à população que vive no local, sendo oportuna a transcrição do seguinte trecho: A Associação recebeu, agora, denuncia de várias mães que mantêm seus filhos na Escola Fundamental Humberto de Campos, que está localizada em frente ao lixão e dele recebe grande parte de emissão de gazes exalados de suas entranhas, de que seus filhos estão adoecendo pela ingestão da água servida na Escola. É a própria diretora da Escola, Sra. Rosane dos Santos, quem está recomendando aos alunos e aos pais que não bebam da água disponível na escola e que tragam de suas residências a água que seus filhos irão beber, pois a água do colégio está contaminada. Convém salientar, por outro lado, que o Colégio oferece merenda aos alunos. Merenda esta que consiste em um pequeno almoço onde são servidas saladas, legumes, verduras etc. É evidente que toda estas verduras são lavadas com a água existente no Colégio, que está contaminada, indo logicamente, contaminar o alimento que é fornecido às crianças. A mãe do menino Adrian Barbosa Flores, criança esta com sete anos de idade e que é aluna do referido educandário, vendo seu filho sofrer, doente por diarréia, o levou para atendimento médico no Hospital Dom João Becker. Ao ser efetuado o exame necessário foi detectada a presença de cistos de Giárdia Lamblia. Anexo cópia do Exame de Sangue efetuado pelo Laboratório do Hospital Dom João Becker. Abaixo texto explicativo sobre este protozoário. Foi registrada ocorrência policial na Primeira Delegacia de Gravataí, conforme comprovante anexo. Já se manifesta, assim, a ocorrência de doenças causadas pela má qualidade das águas que abastecem a população daquela localidade. A avaliação técnica realizada pela Divisão de Assessoramento Técnico do Ministério Público (fls. 643/678) concluiu (ainda em 2005), uma situação de extrema poluição das águas superficiais e subterrâneas da região localizada no entorno do Aterro Sanitário Metropolitano Santa Tecla. A respeito das águas superficiais, os técnicos relatam (fls. 650/651): Os gráficos dos resultados de monitoramento evidenciam contaminação de águas superficiais, sendo que este quadro é mais severo pra o ponto GS6, correspondente ao açude localizado em área do aterro. Alguns aspectos podem ser salientados: Carga Orgânica – A carga orgânica, medida através da DBO5, é elevada ao longo do tempo em todos os pontos de monitoramento. A DBO5 apresenta uma tendência crescente no ponto GS6, confirmada pelo decaimento de oxigênio dissolvido, a níveis bastante reduzidos. Este comportamento ocorre em função do aumento da decomposição da matéria orgânica exigir um consumo elevado de oxigênio dissolvido na água do meio. Coliformes – Os pontos GS4 e GS6 apresentam alta concentração ode coliformes totais e, particularmente em GS6, o residual de coliformes fecais é elevado. Nutrientes – Todos os pontos de monitoramento das águas superficiais apresentam valores elevados de nitrogênio e fósforo. Estes valores concentram-se bem acima do padrão estabelecido. Metais – Quanto aos metais podemos destacar residuais elevados para alumínio, ferro e manganês em todos os pontos de monitoramento. Chumbo e cobre foram analisados somente no ponto GS6, também apresentando valores elevados em relação aos padrões aceitáveis. A análise desta contaminação evidencia que provavelmente ocorre o contato de líquido percolado da área do aterro com águas superficiais localizadas no entorno. A prática operacional de não executar o recobrimento diário das células é, possivelmente, uma das causas da contaminação observada. Quando existem resíduos expostos a céu aberto por algum período, a drenagem de águas da chuva, por exemplo, arrasta conteúdo altamente poluente, concentrado em matéria orgânica, nutrientes e bactérias. E melhor não é a situação das águas subterrâneas (fls. 651/652): O ponto ST5 evidencia um pH em torno do limite inferior (6,0), diferentemente da tendência natural observada pelo comportamento do ponto branco ST2. Outras características físico-químicas como turbidez, sólidos dissolvidos totais, dureza e cloretos evidenciam que, nos pontos ST4 e ST5, existe uma alteração do perfil natural das águas subterrâneas. Não é possível afirmar que existe uma contaminação com bactérias heterotróficas e coliformes totais/fecais. Apesar dos resultados apresentarem contagem superior aos padrões de potabilidade, o ponto branco (ST2) já evidencia contaminação, não sendo possível atribuí-la às atividades do aterro. Entretanto, é evidente a contaminação com nitrogênio amoniacal observada nos pontos ST4 e ST5. Nestes mesmos pontos também verifica-se uma concentração em metais como bário, ferro e manganês, acima dos limites de potabilidade. Metais como alumínio, chumbo e zinco apresentam um comportamento similar entre ponto branco (ST2) e os demais pontos de monitoramento. Em águas subterrâneas a contaminação é mais evidente nos pontos de monitoramento ST4 e ST5. O ponto ST5 localiza-se nas proximidades das lagoas de tratamento, enquanto o ponto ST4 encontra-se bastante afastado desta área. Sendo assim, não é possível ser conclusivo com relação às causas destes estarem apresentando uma maior contaminação. É possível, entretanto, que este comportamento seja resultante do perfil de escoamento das águas subterrâneas. Esta análise mostra que, nas condições atuais, não existe impermeabilização capaz de inibir a infiltração de poluentes através do solo. Esta conclusão demonstra necessidade de interromper-se a disposição de resíduos nas células atuais, implementando-se novas células de disposição com impermeabilização mais eficiente [grifo nosso]. No âmbito desta Promotoria Especializada, não cessam as notícias a respeito da poluição e dos danos que estão sendo gerados pelo Aterro Sanitário Metropolitano Santa Tecla. Como exemplo, cita-se o Inquérito Civil n° 148/2007, que tratou de derramamento de chorume do aterro nas águas do Arroio Martins. A notícia chegou à Promotoria por conta do Termo Circunstanciado n° 015/2070006444-5, tendo sido, após parecer da Divisão de Assessoramento Técnico do Ministério Público, firmado Termo de Ajustamento de Conduta em que se comprometeu o Município de Gravataí a cercar a área das lagoas de tratamento (cópias anexas). A situação ora retratada, portanto, revela estarem presentes, de modo contundente, os pressupostos da antecipação da tutela. As provas até o momento trazidas aos autos dão conta da verossimilhança da alegação de que o Aterro Sanitário Metropolitano Santa Tecla é um empreendimento irregular, seja sob o aspecto formal (pois não há qualquer ato – administrativo ou judicial – que atualmente ampare seu funcionamento), seja sob o aspecto material (pois já demonstrados os danos ao meio ambiente e à saúde da população, por conta da poluição gerada). Quanto ao requisito do inciso I do art. 273 do CPC, então, a situação mostra-se igualmente clara, ao ponto de já se poder falar em certeza (não apenas em fundado receio) de dano irreparável. A ausência de licença da FEPAM denota a nítida inadequação do Aterro frente às exigências da legislação pertinente, restando clara a fragilidade do empreendimento quanto ao aspecto fiscalizatório, uma vez que não é acompanhado pelo órgão técnico legalmente habilitado para tanto. Tal situação potencializa os riscos à saúde da população, seja pela probabilidade de proliferação de vetores e, com estes, doenças, seja pela péssima qualidade das águas, já impróprias para consumo humano. Além disso, incremento desse depósito irregular de lixo só faz crescerem os danos ambientais já experimentados no local. Desta forma é evidente a coexistência dos elementos autorizadores do pedido antecipatório, com cuja concessão se pretende tão-somente evitar a ocorrência de males ainda maiores que os já existentes. Convém, por fim, destacar que, dado ao clamor popular e, sobretudo, ao reconhecimento do nível crítico de afetação da área em questão, o Município de Gravataí fez aprovar, ainda em 2007, a Lei Municipal nº 2.643/07 (cópia anexa), em que, reconhecendo a vulnerabilidade do entorno (Santa Tecla e Costa do Ipiranga), proibiu a construção de novos aterros no local . Questão acessória que merece discussão é se a “ampliação” operada no Aterro Sanitário Santa Tecla não estaria compreendida nesta proibição legal. Contudo, neste momento tal discussão é até desnecessária, na medida em que os danos ambientais e à saúde da população são ainda mais graves do que se supõe de uma mera irregularidade formal. Ou seja, neste momento o Ministério Público nem se vale de tal proibição, senão dos fundamentos que ensejaram a proposição do projeto que culminou com a edição da lei municipal”.

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