segunda-feira, 15 de junho de 2009

Receita Videversus – Aprenda a fazer um carreteiro gaúcho com a chef de cuisine Simone Nejar

Junho avança rapidamente trazendo mais frio ao Sul. Hoje começamos a preparar nossas deliciosas comidas típicas de todos os cantos do País, esperando as festas de São João e de São Pedro e São Paulo. Em cada recanto do nosso imenso Brasil existem pratos de dar água na boca aproveitando a produção local de alimentos. Por mais singelo que seja um prato, ele sempre conta uma história que, em última análise, é a história do povo daquele lugar. Assim é que hoje vamos fazer o legítimo carreteiro, preparado na velha panela de ferro cascurrenta nas estâncias do interior do Rio Grande do Sul. O arroz de carreteiro de charque é tão tradicional quanto o churrasco. E com as sobras do churrasco se faz um carreteiro louco de bão! A origem do arroz de carreteiro é simples como o seu preparo. Os peões que levavam as tropas de gado tinham o charque como alimento não perecível, e junto com o arroz, abundante no Rio Grande do Sul, preparavam suas refeições. Mesmo no conforto das ricas estâncias o arroz com charque sempre foi prato usual, pela sua simplicidade e sabor. A comercialização do charque impulsionou a economia gaúcha do fim do século XIX. O gado vinha do interior para as charqueadas, que ficavam à beira do arroio Pelotas, onde era abatido e salgado, para então ser transportado em navios para o resto do País e Europa. A proporção correta é de uma parte de carne para uma parte e meia de arroz. Assim, como vamos usar meio quilo de charque seco na nossa receita, vamos usar 750 g de arroz, ou seja, três xícaras. Há vários tipos de charque à venda, ovino inclusive. Eu costumo comprar do tipo bovino traseiro, que não tem muita gordura. Gosto de comprar o charque já picadinho e costumo deixá-lo de molho na água por uma noite na geladeira, pra sair uma boa parte do sal. Comprando o charque já cortado, abreviamos o preparo, que já é simples. Para fazer um bom arroz de carreteiro, o ideal é usar uma panela velha, já que dizem aqui que “panela velha é que faz comida boa”. Colocamos a carne dessalgada e cortada em cubinhos a ferver em cinco xícaras de água, por uns quinze minutos. Isso vai amaciar a carne e ajudar a tirar o excesso de gordura, prejudicial à saúde. Vamos reservar três xícaras desta água em que a carne ferveu. Agora é hora de aquecer bem a panela, colocar um fundo de óleo e fritar uma cebola picadinha, dois dentes de alho e a carne. Vamos refogar bem até a carne ficar douradinha, juntamos meia pimenta dedo-de-moça sem sementes ou uma colher de sopa de molho de pimenta, uma folha de louro e três xícaras de arroz lavado e escorrido. Não colocamos sal. Vamos mexer bem e juntar as três xícaras de água reservada e mais três xícaras de água para que o arroz cozinhe.Agora sim, revisamos o sal e colocamos um pouco, se necessário. Os acompanhamentos são muito simples: feijão mexido, ovos cozidos picados, tempero verde, salada de tomate e cebola e era isso. O valor do carreteiro gaúcho está, justamente, na sua simplicidade. Encerro a coluna hoje trazendo a poesia que imortalizou o arroz de carreteiro, pelo grande poeta Jayme Caetano Braun: “Nobre cardápio crioulo das primitivas jornadas,/ Nascido nas carreteadas do Rio Grande abarbarado,/ Por certo nisso inspirado, o xiru velho campeiro/ Te batizou de "Carreteiro", meu velho arroz com guisado./ Não tem mistério o feitio dessa iguaria bagual,/ É charque - arroz - graxa – sal/ É água pura em quantidade./ Meta fogo de verdade na panela cascurrenta./ Alho - cebola ou pimenta, isso conforme a vontade./ Não tem luxo - é tudo simples, pra fazer um carreteiro./ Se fica algum "marinheiro" de vereda vem à tona./ Bote - se houver - manjerona, que dá um gostito melhor/ Tapiando o amargo do suor que - / às vezes, vem da carona./ Pois em cima desse traste de uso tão abarbarado,/ É onde se corta o guisado ligeirito - com destreza./ Prato rude - com certeza, / mas quando ferve em voz rouca/ Deixa com água na boca a mais dengosa princesa./ Ah! Que saudades eu tenho/ dos tempos em que tropeava/ Quando de volta me apeava/ num fogão rumbeando o cheiro/ E por ali - tarimbeiro, cansado de bater casco,/ Me esquecia do churrasco saboreando um carreteiro./ Em quanto pouso cheguei de pingo pelo cabresto,/ Na falta de outro pretexto indagando algum atalho,/ Mas sempre ao ver o borralho onde a panela fervia/ Eu cá comigo dizia: chegou de passar trabalho./ Por isso - meu prato xucro, eu me paro acabrunhado/ Ao te ver falsificado na cozinha do povoeiro/ Desvirtuado por dinheiro à tradição gauchesca,/ Guisado de carne fresca, não é arroz de carreteiro./ Hoje te matam à míngua, em palácio e restaurante/ Mas não há quem te suplante,/ nem que o mundo se derreta,/ Se és feito em panela preta, servido em prato de lata/ Bombeando a lua de prata sob a quincha da carreta!/ Por isso, quando eu chegar,/ nalgum fogão do além-vida,/ Se lá não houver comida já pedi a Deus por consolo,/ Que junto ao fogão crioulo,/ Quando for escurecendo, meu mate -amargo sorvendo,/ A cavalo nalgum tronco, escute, ao menos, o ronco/ De um "Carreteiro" fervendo.

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